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ARNALDO JABOR O filme Pina é um spa mental Fui ver o filme de Wim Wenders sobre a vida e obra de Pina Bausch e saí do cinema deslumbrado. Estava mesmo precisando de um pouco de beleza, sufocado pela feiúra da calamidade urbana de São Paulo e envenenado pela vida política do País, que balança entre vícios ideológicos paralisantes e a corrupção institucional. Com a crise entre governo e aliados, a política virou uma gincana de obstáculos que impedem o Executivo de governar. Além disso, vivemos longe da beleza, intoxicados pelo furacão de irrelevâncias pop que matam a contemplação muda da arte. E Pina é grande arte. Fui ao cinema em busca de um spa mental. Depois de uns trailers repulsivos de violência para crianças começou o filme do Wim. Eu andava meio de saco cheio do alemão desde Asas do desejo, com aquele papo de que os anjos só eram vistos pelas criancinhas. Mas, esse filme é o máximo. Há muito tempo não via algo tão emocionante. Wim parece haver seguido as lições da própria Pina na delicadeza de um teatro dançado. Sua linguagem sem palavras diz mais do que conceitos claros. Jean-Luc Godard disse uma vez que o balé clássico aspira à imobilidade, a uma pose final que atinja um momento sublime. Pina nunca buscou o tal sublime, mas só se interessava pela vida concreta (sem realismo, claro), com seus vícios, inibições, medos que impedem encontros definitivos e harmônicos. Seu tema é o desejo humano que resiste mesmo debaixo do mal-estar de nossa civilização. Estive com Pina Bausch por alguns minutos, em sua ultima apresentação em São Paulo. Fiquei tímido e tiete e mal conseguia lhe dizer algumas frases decentes. Só me ocorriam banalidades sobre seu trabalho, coisas como awsome ou cool, equivalentes a bem legal ou irado enquanto ela me olhava fumando, pálida, pouco antes de sua morte. Em seu filme, Wim Wenders criou uma mise-en-scène original tirando bailados do palco e os encenando nas ruas de Wuppertal. E melhor ideia ainda foi fazer o filme em 3D, o que nos revelou uma coreografia em camadas quase cubistas exibindo closes e planos abertos simultaneamente. É lindo ver toda essa riqueza de ângulos para um tipo de coreografia feita sobre os sentimentos mais comuns de nosso cotidiano: a angústia de viver sem sentido, a confusão de papéis sexuais, a fome de amor, o riso misturado a lágrimas. Bob Wilson disse uma vez: “A importância da obra de Pina será uma das poucas lembranças da arte do século 20”. Fellini, outro gênio, chamou Pina para seu filme E la nave va e assim falou da grande artista: “O que Pina conta no palco é um teatro dançado que liberta todas as inibições, é festa, jogo, sonho... Mas, é um conforto que se esvai aos poucos, porque o que a gente quer é que toda essa harmonia, toda essa leveza não acabe nunca e que a vida seja assim”. Pina Bausch fez uma arte que podemos chamar até de terapêutica. Dentro de um mundo à beira do trágico irracionalismo que vemos nascer nos impasses políticos internacionais, Pina nos faz esquecer o mundo lá fora, sem nos alienar, redesenhando nossa crise absurda pela luz mágica da poesia. E não é apenas o êxtase de uma sinfonia ou de um grande filme, a arte de Pina nos deixa ver a máquina leve que organiza a composição estética, o segredo do processo criativo. Ela não nos emociona apenas, ela nos ensina. Aquela coisa do “beleza é verdade e verdade é beleza” se realiza diante de nossos olhos. Pina é imensa, porque é das poucas pessoas que conseguiram descrever nosso tempo com angústia e compaixão. Isso: uma rara mistura de melancolia com esperança. Já vimos na arte do século 20, desde o pós-guerra, o sentimento do absurdo, o horror, a desesperança crítica. Os mendigos de Beckett vagueavam em desertos sem saída. O estrangeiro, de Camuse pedia que saudassem sua morte com vivas de ódio. Hoje na literatura restou um anarquismo sem rumo, detritos masoquistas de uma desesperança superficial, Kafkas pop, sub-Joyces despejando um automatismo narrativo porra-louca e superficial. Pina Bausch, que era filha da guerra fria, não estava nessa. Ela sempre deixou um fio de felicidade passar por entre seus bailarinos solitários, desunidos, mal-ajambrados nas tristes roupas comuns, pobres ternos, pobres vestidinhos, desamparados transeuntes do nada para o nada. Pina criou um minimalismo afetivo, sem a frieza rancorosa de tantos artistas engajados, sem a negra alegria de saudar a morte, de festejar a impossibilidade, o juízo final. Pina exalta a vida mesmo por meio de uma triste beleza, uma paz dark diante desse tempo que a indústria cultural está deformando com sua feira de ofertas. Pina via com amor nossos clichês e aprofundava-os, mostrando-nos a estranheza escondida sob a familiaridade, como um Brecht lírico da primeira fase (Baal, Na selva das cidades). Ela captava o imperceptível. Seus atores/bailarinos/ personagens são quase sempre carentes, sozinhos, tentando alguma forma de encontro. Ver seus espetáculos era uma aula de grande arte e por entre os corpos bailando percebíamos as influências mais límpidas da arte contemporânea. Vemos Fellini, claro, vemos Chaplin, vemos na cenografia o minimalismo mais espontâneo, sem exibição vanguardista, vemos Mondrian, vemos os irmão Marx repetindo as mesmas routines de chanchadas, vemos Beckett curado de sua depressão doentia, vemos um painel amplo do melhor da criação do século 20, tudo interpretado pela espantosa capacidade técnica de seus bailarinos esfarrapados. Pina humanizava nossos defeitos e nosso ridículo. Seus atores/personagens oscilavam entre desejo e repressão, entre liberdade e medo. É isso aí. Ao sair do cinema, eu estava oxigenado, purificado, pronto para mais uma temporada no inferno da estupidez nacional. |
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Programação abril 2012
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