sexta-feira, 24 de agosto de 2012

cinema Pernambucano

O Globo falando da nova geração de diretores do Recife...
http://oglobo.globo.com/cultura/cinema-de-pernambuco-revela-uma-novissima-geracao-de-diretores-5875606#ixzz24T8eVqSn

Cena de “O som ao redor”, que rendeu o Kikito de melhor direção a Kléber Mendonça Filho
Foto: Divulgação
Cena de “O som ao redor”, que rendeu o Kikito de melhor direção a Kléber Mendonça Filho Divulgação
RIO - Longa-metragem brasileiro de maior circulação no exterior em 2012, com passagem por 14 festivais internacionais e vaga assegurada a partir desta sexta no circuito exibidor de Nova York, “O som ao redor”, de Kléber Mendonça Filho, tornou-se o estandarte de uma nova linhagem de realizadores pernambucanos. Linhagem essa empenhada em expandir os domínios autorais do polo que, desde a Retomada, é considerado o maior canteiro de transgressão narrativa do cinema brasileiro: Recife. Ao receber o Kikito de melhor diretor (além do prêmio de crítica e do júri popular) no encerramento do Festival de Gramado, no último sábado, Mendonça afirmou que Pernambuco vive numa linha ascendente de renovação nas telas. Ele se refere a uma safra de novos diretores recém-chegados aos longas, como Gabriel Mascaro, Daniel Aragão, Leonardo Sette, Renata Pinheiro, Camilo Cavalcante, Juliano Dornelles, Marcelo Pedroso, Leonardo Lacca, Daniel Bandeira, Marcelo Lordello e Tião, empenhados em explorar linguagens mais ambiciosas do que a dos responsáveis pela consagração audiovisual do estado nos anos 2000.
De lá vieram Cláudio Assis (“Febre do rato”), Lírio Ferreira (“Árido movie”), Paulo Caldas (“Deserto feliz”) e Marcelo Gomes (“Cinema, aspirinas e urubus”). Nos últimos 15 anos, eles surpreenderam plateias ao tratar com sofisticação formal e diálogos críticos a violência, o sexo e convenções mediadas pelo ranço coronelista do Nordeste, olhando para o submundo de Recife, para a Zona da Mata e seu maracatu ou para o passado. Mas a geração de Mendonça quer ir além, retratando Pernambuco com mais radicalismo visual.
— As dezenas de filmes pernambucanos dos últimos 20 anos, os bons, pelo menos, têm um fator curioso: são filmes pessoais, autorais, só aquele realizador poderia ter feito. “Muro”, de Tião (curta-metragem premiado em Cannes em 2008), só ele faria. “Baixio das bestas”, só Cláudio Assis poderia filmar. O mesmo vale para (o inédito) “Boa sorte, meu amor”, de Daniel Aragão — diz Kléber Mendonça Filho. — Nossos filmes não surgiram de receitas de bolo, nem de preocupações com o mercado.
Aos 43 anos, Mendonça fez carreira como crítico de cinema antes de dirigir curtas premiados. São dele os cults curtos “Vinil verde” (2004), “Eletrodoméstica” (2005) e “Recife frio” (2010). Há três anos, ele expôs entranhas do jornalismo cinematográfico no longa documental “Crítico”. Voltado para a paranoia que ronda a classe média no Brasil, “O som ao redor” é um thriller de R$ 1,8 milhão, cujo ator mais conhecido é Irandhir Santos. Ele estreou no Festival de Roterdã, em fevereiro, onde conquistou o prêmio da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci). Ganhou troféus ainda na Polônia, em Copenhague e na Sérvia. O diretor tem convites para levar a mais 30 festivais estrangeiros seu painel sobre um bairro que tem sua rotina alterada após a chegada de uma milícia.
— O Brasil de “O som ao redor” é esse no qual a gente vive, das contas a pagar, dos Unos brancos, das reuniões de condomínio, da insegurança constante, da falta de cidadania — diz Mendonça Filho, lembrando com orgulho que o Festival de Brasília, programado de 17 a 24 de setembro, terá quatro longas pernambucanos em competição.
Concorrem as ficções “Era uma vez eu, Verônica”, de Marcelo Gomes; “Eles voltam”, de Marcelo Lordello; “Boa sorte, meu amor”, de Daniel Aragão; e o documentário “Doméstica”, de Gabriel Mascaro.
— O que muda no cinema pernambucano, da Retomada para cá, é o amadurecimento de que a diferença e a singularidade de cada pesquisa de linguagem devem ser valorizadas e radicalizadas, não padronizadas — diz Mascaro, que em 2010 colheu elogios pelo longa “Avenida Brasília Formosa”.
Ao analisar este momento de transição do cinema pernambucano, no qual sete novos longas estão em produção e outros 20 em desenvolvimento, o diretor Gabriel Mascaro explica que a participação do estado, a partir de políticas de fomento como o Funcultura, foi fundamental para a proliferação de uma estética mais preocupada em descobrir caminhos do que com a quatidade de ingressos vendidos. Só este ano o fundo investiu R$ 11,5 milhões na produção de projetos de cunho autoral.
— O que acontece hoje aqui é fruto de um processo histórico, que surge do diálogo entre as gerações. Cláudio Assis, Hilton Lacerda, Marcelo Gomes... toda essa geração foi importante pra gente — diz o diretor Pedro Severien, que ganhou R$ 198 mil para finalizar “Todas as cores da noite”, baseado em lendas urbanas do Recife.
Graças ao apoio estatal, uma produção em preto e branco como “Boa sorte, meu amor”, de Daniel Aragão, com o carioca Carlo Mossy, saiu do papel.
— Aqui existe uma pressão para se fazer filmes sinceros e pessoais a todo custo. Se um filme não for algo que seu diretor realmente sinta, todo mundo desce o cacete em você. Trabalhei em “O som ao redor”, e me lembro de ouvir Kléber Mendonça falar que “quem tem verdadeiros amigos não faz filme ruim” — diz Aragão, lembrando que o diretor de “O som ao redor” é uma referência entre os cineastas de 20 ou 30 e poucos anos. — Apesar de ter seus 40 e tantos, Kléber se aproximou mais da nossa geração e virou meio que nosso professor, pois ele não tinha a fama dos mais velhos e lida com a gente de igual pra igual.
Na década passada, ao exibir “Amarelo manga” (2002) no Festival de Berlim, Cláudio Assis falou que a “culpa” da qualidade do cinema pernambucano é o coentro que eles comem desde criança e que tempera o olhar. Hoje o segredo é outro: a multidisciplinaridade.
— A maioria de nós dirige, mas todos editamos, fotografamos, produzimos. Daí vem a pegada mais certeira entre o que pretendemos e o resultado final — diz Aragão.
Entre os títulos mais esperados da nova safra pernambucana estão “Animal político”, de Tião, e “A história da eternidade, de Camilo Cavalcante, parceiro de Cláudio Assis no documentário “Vou de volta” (2007) e um dos maiores curta-metragistas de Pernambuco. Roteirista-assinatura de Assis e de Lírio, Hilton Lacerda vai estrear na direção de longas de ficção com “Tatuagem”.
Além de “O som ao redor”, que estreia em novembro, há dois documentários pernambucanos prontos, à espera de vaga no circuito exibidor: “As hiper mulheres”, pesquisa indigenista do trio Carlos Fausto, Takumã Kuikuro e Leonardo Sette, e “Estradeiros”, ensaio de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira sobre ciganos e outras tribos nômades, que chega às telas com o aval do prêmio da crítica do Cine PE.
— Somos uma geração cinéfila que procura o autoral — diz Renata, que em outubro roda “Amor, plástico e barulho”.
Preparando-se para filmar “Sangue azul” em novembro, Lírio Ferreira diz que sua geração recebe a novíssima casta pernambucana de cineastas de braços abertos:
— Cinema em Pernambuco é que nem ciranda à beira da praia. Uma onda sobrepõe uma outra e assim vai no balanço do mar.

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